Educação na Era da IA: Lições do Ábaco a Singapura | 2025

Como um colégio no ABC Paulista ensina que a melhor preparação para a era da Inteligência Artificial não está na tecnologia, mas na redescoberta da nossa humanidade.

Mãos de um jovem em um ábaco de madeira, simbolizando a educação humanista como a base fundamental para navegar o futuro da inteligência artificial.
Antes do algoritmo, a arquitetura do pensamento.

Há algumas semanas, uma notícia me chamou a atenção: Lorenzo do Prado, aluno de um colégio em São Bernardo do Campo, conquistou a medalha de ouro no Desafio Internacional de Matemática de Singapura (SIMOC). Foi o único brasileiro a alcançar tal feito naquela edição. Em um mundo saturado de virais efêmeros, uma conquista silenciosa como essa, fruto de disciplina e rigor, parecia um artefato de outro tempo.

O colégio em questão é o Ábaco. E a ironia poética desse nome, para mim, foi irresistível. O ábaco, aquela moldura de madeira com contas deslizantes, é uma das primeiras tecnologias que criamos para estender nossa mente. Ele não apenas calcula; ele torna a matemática visível, tátil, espacial. E agora, um jovem de um colégio que carrega esse nome ancestral estava no epicentro da modernidade, Singapura, sendo celebrado por seu domínio da linguagem mais universal que existe.

Essa história me fez pensar. Ela é mais do que uma medalha. É uma metáfora perfeita para o diálogo que o Brasil precisa ter sobre educação, tecnologia e futuro.

Amplificando o Humano

O Ábaco foi fundado há 50 anos, por Cleide Saad, mãe do atual diretor, Rodolfo Saad, com quem mantenho longa amizade, o que me proporcionou acesso privilegiado à filosofia da instituição, revelando que o colégio poderia ser tudo, menos ‘apenas mais uma’ excelente instituição de ensino na Grande São Paulo. Mas há algo na sua filosofia que o torna um microcosmo fascinante de como se prepara jovens para um mundo em constante disrupção.

Enquanto o debate público se perde na ansiedade do “que a IA fará conosco?”, o Colégio Ábaco parece focado em uma pergunta muito mais poderosa: “quem nossos alunos precisam se tornar para prosperar em qualquer futuro?”. A resposta não está em abandonar o humano, mas em amplificá-lo.

Observe a arquitetura de formação que eles construíram. Não se trata apenas de excelência acadêmica, validada pelas centenas de premiações em Olimpíadas do Conhecimento. Trata-se de uma aposta radical na interdisciplinaridade como motor da inteligência. Os alunos não apenas resolvem equações; eles montam espetáculos no Teatro Ábaco, um espaço de qualidade profissional onde já levaram à cena desde “A Bela e a Fera” até “Wicked”, com um nível de produção que rivaliza (na verdade, supera) com o teatro comercial.

Essa não é uma atividade extracurricular para “relaxar da matemática”. É parte central da formação. É o reconhecimento de que a criatividade que resolve um problema de cálculo é a mesma que sustenta uma cena de teatro, que compõe uma partitura na orquestra do colégio, ou que constrói uma estratégia numa simulação da ONU.

O investimento no esporte de alta performance, que os levou a serem campeões nacionais de handebol, ou a criação de um Parque Pedagógico Sustentável, no meio da Grande São Paulo, onde alunos estudam minhocas e girinos antes de levarem suas descobertas para o Espaço Maker e materializá-las através de microscopia e fabricação digital — não são áreas periféricas. São laboratórios de disciplina, trabalho em equipe, consciência ambiental e pensamento sistêmico: competências essenciais para qualquer desafio, seja numa quadra, num palco, num laboratório ou numa sala de reuniões.

Essa filosofia transforma o aprendizado. A cultura deixa de ser um verniz e se torna um valor central. Uma medalha em matemática é celebrada com o mesmo fervor que um título nos Jogos Escolares ou uma temporada de teatro com ingressos esgotados. O conhecimento vira objeto de desejo.

O “Ábaco Mental”: Uma Estrutura para a Era da IA

E é aqui que a história de Lorenzo em Singapura se conecta com o ábaco histórico e o nosso futuro com a IA.

O ábaco (a ferramenta!), hoje, pode parecer obsoleto. Temos calculadoras e IAs que resolvem em segundos o que levaríamos minutos para calcular nele. Mas sua relevância não está na velocidade, e sim no que ele nos ensina sobre a estrutura do pensamento. Ele nos mostra que, antes da resposta, vem a compreensão do processo.

Da mesma forma, o Colégio Ábaco, ao investir em uma formação que integra artes, esportes, sustentabilidade e humanidades ao rigor acadêmico, não está apenas preparando alunos para passar no vestibular. Está entregando a eles um “ábaco mental”: uma estrutura de pensamento flexível, criativa e resiliente.

Estamos vivendo um momento em que a IA, como uma alavanca cognitiva, pode fazer o “trabalho pesado” de processar dados e organizar informações. Mas de que adianta ter a melhor alavanca do mundo se não soubermos onde aplicá-la? De que adianta ter acesso a todas as respostas se não tivermos repertório para fazer as perguntas que realmente importam?

Mais Humanidade, Mais Criatividade

A criatividade para montar uma peça de teatro, a disciplina para treinar para um campeonato nacional, a sensibilidade para tocar em uma orquestra, a consciência para cuidar de um minhocário, a coragem para competir em uma olimpíada internacional: essas são as experiências que constroem o repertório que nenhuma IA pode replicar. São elas que nos ensinam a pensar, a sentir, a colaborar e a criar sentido.

A jornada de Lorenzo do Ábaco a Singapura é a história de um Brasil que pode dar certo. Um Brasil que entende que a verdadeira preparação para o futuro não é trocar a sala de aula por um prompt, mas transformar a sala de aula em um ecossistema que cultiva o melhor da nossa inteligência. Em todas as suas múltiplas e maravilhosas formas.

O colégio, assim como o antigo instrumento, nos lembra de uma verdade atemporal: a tecnologia mais poderosa que teremos não será artificial. Será a nossa própria humanidade, bem treinada, bem nutrida e corajosamente curiosa. E talvez seja exatamente isso que o mundo precise neste momento de inflexão histórica: não menos humanidade diante das máquinas, mas mais humanidade por causa delas.

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