O que o lançamento do ChatGPT-5 revela sobre nossa relação com risco, reputação e controle

Prólogo: Quando o Mundo Prende a Respiração
Imagino Sam Altman neste exato momento. Talvez sentado em sua mesa, olhando pela janela de algum escritório em São Francisco, enquanto os últimos ajustes do ChatGPT-5 são finalizados nos servidores. A equipe de engenharia testa e retesta. A imprensa especula. O mundo da tecnologia aguarda, dividido entre expectativa e ceticismo.
E ele ali, no epicentro de tudo isso, vivendo algo que conhecemos bem demais: a véspera do julgamento.
Não é sobre inteligência artificial que quero falar. É sobre nós. Sobre esse momento suspenso no tempo onde tudo o que construímos será colocado à prova diante de olhos que não piscam, algoritmos que não perdoam, e uma internet que nunca esquece. É sobre a psicologia daqueles momentos em que nos expomos ao mundo e descobrimos que vulnerabilidade e coragem são faces da mesma moeda.
A Anatomia da Véspera: Entre Controle e Caos
Há anos estudo esse fenômeno que chamo de psicologia da véspera – aquela tensão peculiar que antecede momentos de alta exposição. É mais que ansiedade; é uma alteração completa na percepção do tempo, do risco e de nós mesmos.
A véspera carrega consigo três dimensões que se entrelaçam de forma quase perversa:
A solidão da liderança se manifesta de forma brutal. Todo o trabalho de anos, todas as decisões estratégicas, todas as noites mal dormidas convergem para um único ponto no tempo. E mesmo cercado de equipes brilhantes, assessores experientes e sistemas de apoio, o líder sabe que o peso final recai sobre seus ombros. É uma solidão que não se cura com companhia.
A tirania da percepção pública se torna tangível. Vivemos numa época em que a reputação pode ser construída em décadas e destruída em segundos. As manchetes se escrevem sozinhas, os memes nascem em tempo real, e o tribunal da internet não conhece apelação. Cada palavra será dissecada, cada hesitação interpretada, cada gesto amplificado.
E há a luta desesperada por controle num universo que insiste em ser incontrolável. Podemos testar mil vezes, simular todos os cenários, preparar respostas para todas as perguntas imagináveis. Mas sabemos, no fundo da alma, que sempre haverá a variável humana, o imprevisto, aquele detalhe que não vimos vindo.
O que a ciência nos diz sobre tudo isso é fascinante e perturbador. A ansiedade antecipatória não apenas nos deixa desconfortáveis – ela literalmente altera nossa capacidade cognitiva. Nosso campo de atenção se estreita, nossa tendência é buscar soluções “boas o suficiente” ao invés das melhores, e nosso famoso “instinto” pode nos levar exatamente para onde não queremos ir.
Mas aqui está o paradoxo: é exatamente essa tensão que separa o medíocre do extraordinário.
O Aquário: Ser Observado no Século XXI
Lembro de uma conversa que tive com um executivo de uma grande multinacional. Ele me disse algo que não consigo esquecer: “Sinto que vivo dentro de um aquário, e todo mundo do lado de fora tem uma câmera.”
É a metáfora perfeita para nossa época. O ambiente digital criou uma forma de escrutínio que é ao mesmo tempo íntima e massiva, persistente e implacável. Cada movimento é registrado, cada palavra preservada, cada erro arquivado para a eternidade digital.
Os números são assustadores: mais de 60% dos consumidores usam redes sociais para pesquisar marcas antes de qualquer decisão. 85% confiam em avaliações online tanto quanto confiariam na recomendação de um amigo próximo. Um aumento de uma estrela no Yelp pode significar entre 5% e 9% de crescimento nas vendas. E quando algo dá errado, 70% das pessoas esperam uma resposta em menos de 24 horas.
Mas não são apenas os números que impressionam. É a natureza qualitativamente diferente dessa observação. Antes, ser observado requeria proximidade física ou temporal. Agora, somos observados por algoritmos que nunca dormem, arquivados por sistemas que nunca esquecem, julgados por audiências que nunca conheceremos.
O panóptico digital de que falava Foucault se materializou de forma que nem ele imaginaria. A diferença é que não há apenas um observador central – somos todos observadores e observados simultaneamente, numa dança de vigilância mútua que modifica nosso comportamento mesmo quando ninguém está realmente prestando atenção.
É impossível vencer a internet. Mas é possível perder para ela em segundos.
Perfeição Impossível e a Síndrome do Impostor
Há algo cruel na combinação entre alta exposição e perfeccionismo. Quanto mais os holofotes se intensificam, mais nossa tolerância ao erro diminui. E numa época onde cada falha pode se tornar viral, a busca pela perfeição deixa de ser aspiração para se tornar obsessão.
Mas aqui mora uma ironia amarga: o perfeccionismo, especialmente quando alimentado pela síndrome do impostor, pode ser o maior inimigo da inovação. Conheço executivos brilhantes que optam por estratégias conservadoras não porque acreditam nelas, mas porque temem as consequências de apostar no ousado. Médicos que escolhem tratamentos de segunda linha por medo de litígios. Empreendedores que adiam lançamentos indefinidamente porque “ainda não está perfeito”.
A síndrome do impostor nas altas esferas é particularmente perversa. Ali estão pessoas que objetivamente conquistaram posições de destaque, lideraram equipes, tomaram decisões que impactaram milhares de vidas. E mesmo assim, no silêncio de suas mentes, uma voz sussurra: “Você é uma fraude. Uma hora vão descobrir.”
Setenta por cento dos trabalhadores de tecnologia já se sentiram impostores. Entre mulheres executivas, o número sobe para 75%. E o custo disso não é apenas emocional – pesquisas mostram que a síndrome do impostor pode custar até 10,8% da receita anual em oportunidades perdidas devido a decisões defensivas.
Casos como o da Vale após Brumadinho e da Peloton ilustram perfeitamente como o perfeccionismo defensivo pode destruir mais valor do que o erro original. A Peloton, quando suas esteiras causaram acidentes, respondeu com recalls tardios e comunicação defensiva que prolongou a crise. A Vale, após a tragédia da barragem, adotou uma comunicação excessivamente controlada, tentando gerenciar cada aspecto da narrativa de forma tão calculista que pareceu insensível, amplificando dramaticamente o dano reputacional. Em ambos os casos, não foram as falhas iniciais que causaram o maior dano, mas as respostas perfeccionistas e defensivas das empresas.
A pergunta que me assombra é: quanto de inovação genuína estamos perdendo por medo de errar sob os holofotes?
Estratégias para Dançar com o Incontrolável
Depois de anos estudando líderes que conseguem performar bem sob pressão extrema, identifiquei alguns padrões interessantes. Não são pessoas que eliminaram a ansiedade antecipatória – são pessoas que aprenderam a dançar com ela.
Segurança psicológica emerge como o fator mais crítico. Equipes que sabem que podem errar sem serem executadas publicamente tomam riscos mais inteligentes. Líderes que admitem vulnerabilidade criam ambientes onde a inovação genuína pode acontecer. Não é coincidência que algumas das empresas mais inovadoras do mundo também sejam aquelas onde se fala abertamente sobre fracassos.
A mentalidade de crescimento se torna mais que jargão corporativo. Quando o foco está no desenvolvimento de habilidades ao invés da demonstração de competência, a pressão da véspera muda de natureza. Não é mais sobre provar que somos bons – é sobre descobrir o quão bons podemos nos tornar.
Metacognição – a capacidade de observar nossos próprios pensamentos – emerge como uma habilidade crucial. Reconhecer que “pensamentos são apenas pensamentos, não fatos” pode ser a diferença entre a paralisia e a ação. Entre o pânico e a performance.
E há algo que chamo de comunicação antecipatória. As melhores lideranças que observei não apenas respondem às crises – elas as antecipam narrativamente. Criam contexto antes que o contexto seja criado para elas. Sabem que em tempos de alta velocidade informacional, quem define a narrativa primeiro tem vantagem desproporcional.
O círculo de influência se torna um conceito operacional, não apenas filosófico. Energia mental é finita. Gastá-la com o que não controlamos é desperdício estratégico.
A Universalidade da Véspera: Todos Somos Altman
Mas deixe-me confessar algo. Por mais que esteja aqui analisando a psicologia de Sam Altman e de outros líderes de alta exposição, a verdade é que todos conhecemos essa sensação. Talvez não na escala de um lançamento global de IA, mas todos temos nossas vésperas.
Lembro perfeitamente da primeira vez que palestrei para mais de mil pessoas. A noite anterior foi uma tortura elegante. Revisei a apresentação dezenas de vezes, testei cada transição, memorizei cada piada. E mesmo assim, ali deitado na cama do hotel, sentia o coração acelerado e a mente correndo entre cenários catastróficos.
Anos depois, desenvolvendo a palestra que chamo de “A Escolha do Difícil”, comecei a entender algo fundamental: essa tensão não é um bug do sistema humano. É uma feature.
A vida coloca desafios no caminho de todos nós. Mas nem todos os desafios são criados iguais. Há os desafios que a vida impõe – doenças, perdas, crises econômicas. Esses são necessários, mas raramente nos conduzem aos melhores resultados e experiências. São o caminho da desconfortável zona de conforto.
E há os desafios que nós escolhemos. As montanhas que decidimos escalar não porque temos que escalar, mas porque queremos descobrir quem nos tornamos no processo. Quando fazemos a escolha pelo difícil, quando optamos por desafios alinhados aos nossos sonhos e propósitos, é aí que encontramos sentido, valor e felicidade verdadeira.
Descobri algo curioso ao longo dos anos: quando parei de sentir aquele frio na barriga antes das palestras importantes, não era sinal de maturidade ou segurança. Era sinal de que eu havia parado de escolher o difícil. Estava no piloto automático, repetindo fórmulas que funcionavam, evitando riscos que poderiam me levar a lugares novos.
O frio na barriga voltou quando voltei a me desafiar. E aprendi a celebrá-lo.
Nossa ansiedade antecipatória é um padrão psicológico universal porque nossos cérebros são programados para buscar certeza num mundo fundamentalmente incerto. A percepção de risco é subjetiva, influenciada por emoções e vieses cognitivos que evoluíram para nos manter vivos, não necessariamente para nos fazer prosperar.
Mas aqui está o que as máquinas nunca entenderão: é exatamente essa vulnerabilidade que nos torna capazes de transcendência. Uma IA pode processar milhões de cenários em segundos, mas nunca sentirá o peso existencial de uma escolha. Pode otimizar probabilidades, mas nunca conhecerá a glória de apostar contra as probabilidades e vencer.
Epílogo: O Dia Seguinte Nunca Chega Como Esperado
O modelo será lançado. As manchetes surgirão. As críticas virão – algumas justas, outras nem tanto. A equipe, exausta, talvez sorria. Talvez celebre discretamente. E Sam Altman descobrirá, como todos nós descobrimos, que o dia seguinte nunca chega exatamente como imaginamos.
Mas aqui está a verdade que raramente admitimos: o julgamento não acontece apenas no dia seguinte. Ele começa na noite anterior, no silêncio de quem espera. É ali, na véspera, que descobrimos do que somos realmente feitos.
Porque a véspera do julgamento é, na verdade, o momento em que nos julgamos. É quando confrontamos nossos medos, nossas limitações, nossa humanidade crua e vulnerável. É quando escolhemos entre a segurança da mediocridade e o risco da grandeza.
E talvez seja por isso que a ansiedade antecipatória não desaparece com a experiência. Ela se refina, se sofistica, mas permanece. Porque no fundo sabemos que toda vez que nos expomos genuinamente ao mundo, toda vez que colocamos nossa humanidade em jogo, estamos fazendo algo que nenhuma máquina jamais fará: estamos escolhendo ser vulneráveis.
Numa era de inteligências artificiais que processam sem sentir, de algoritmos que decidem sem duvidar, nossa capacidade de tremer antes da performance pode ser nosso último reduto de humanidade autêntica.
O modelo foi lançado. As manchetes surgiram. As críticas vieram. A equipe exausta sorriu, talvez. Mas ninguém voltou ao ponto de origem igual – porque, ao fim, não é o modelo que evoluiu. Somos nós que fomos testados.
E no teste, descobrimos que nossa vulnerabilidade não é fraqueza a ser superada. É força a ser honrada.